Versão para a web no fim da página para músicas e clipes

Versão para a web no fim da página para músicas e clipes

as galáxias dançantes que vimos 

assombrados diante da velha televisão

foram atualizadas por um novo telescópio

estão mais jovens, próximas, nítidas, iluminadas, 

desencobertas, seminuas


três anos que não te vejo daqui da Terra

mas para as galáxias são bilhões de anos

de que tempo e distância ou de que luz é a saudade

perambulante na negra noite interrompida e quase-eterna?


você não tem mais o rosto iluminado pela Lua e pelo Sol

e está e não está a alguns metros de profundidade abaixo 

da terra

ainda fincado porém em meu peito e nas estrelas


mais bilhões de outros sereszinhos já te comeram a carne

e lá está a sua ossada com átomos de cálcio de outros 

universos

diante de mim e do agora está a incompletude risonha 

satisfeita anônima inteira ilimitada que você disse 

existir


seu rosto se confundiu como eu previa nas novas imagens 

televisivas de um céu que não vemos daqui e que não vimos

mas de que somos raízes por dentro:

eu e você igualados e refeitos de nossos céus 

invisíveis sob a pele: implosão

eu e você reuindos novamente face a face na memória

e seu rosto maravilhado entre a fumaça da sala 

com as imagens de um obsoleto instrumento terráqueo


na dura caixa te enxergo daqui e de outra outro 

deslembrando de quando será a minha vez de constatar como 

você a hora ou a des-hora da mesmice pálida e prazerosa 

de quando não há mais diferença entre falar e calar


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(entre a sentença e a benção

a licença da ventania que

palavra faz no corpo

paciente agonia em silêncio que dá)


distopia inventa moradas

atrás de futuro ou de esquecido

faz crescer florestas de nuvens

em voláteis estações inomináveis

do córtex até estrela

aparece na estrutura de tudo


só nascemos e morremos livres

verazmente fora de tempo e espaço

rascunhados na teia temporal existimos porém

utópicas histórias sem início nem fim

enchente de gente inacabada

que achamos por ser


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sonhei que dormia na página sem fim

uma história no continente de si

que eu não sabia atravessar


era preciso rir e radicalizar de ir à raiz

algumas pontes e outras cidades talvez

até uma temporã infância na ilha


da geografia da memória à face da hora pálida

infalível liberdade temporal

entre têmporas na chuva


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Entre-passadas

(adorava sua inteligência bela

e sua beleza inteligente)


lembro ainda do que me falou:

antes não fazia sentido

sem você agora faz


o agora nos refez e se refaz

o amor também: em quem mora

(aquele que nos descobriu tórrida nudez

e se desfez na chama árida da hora

quando era nossa vez)


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Revoada

que seja passageiro

o que passou

que seja passarinho

o que não voou

e que seja ninho

o que ficou


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A esmo no mesmo

um mesmo mundo

nunca sempre mesmo

visto por outros olhares alhures

global sempre e quase profundo

com mesmos globos rasos

quase nunca os mesmos no fundo

olhos, órbitas e mesmices a esmo


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Fragmento

(comendo misto quente

e esquecendo da gente)


pé sujo cabeça limpa

não pise no pensamento

seja pá e ímpar

uma grama de alumbramento

pó de palavra prima

gama de solo e seres


não pare

não negue

não pire

no nó

cave até aonde cabe a asa

do seu eu só

costure até onde dure

o tempo de contar de si 

ao Sol


(comendo cachorro quente

e alimentando fome de gente)


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Considerações amorosas

quando acaba um grande amor melhor nada dizer

a saudade lancinante e falante se anuncia

e o vazio da amante no peito infla de dor e poesia


quando acaba um grande amor melhor nada fazer

deixar que se recomponha sozinha a espontânea sina

em forma de chama que é amar

que aquece e até inflama e que acontece e desaparece sem avisar

e em qualquer lugar


quando o grande amor acabar não deixe que se acabe em você

a louca doce mania de 

um outro adorar sem possuir

aguar sem inundar

tornar-se parte sem nunca ter sido

amar sem regozijo ou culpa ou excesso


se o amor acabou é por que já sabe dos desígnios e desesperos de si

das suas delícias e disparates inenarráveis e repetíveis

e reserva bom tempo na leira para boas colheitas

e guarda bom vento na casa do coração

e inventa até borboleta do que antes habitava só o chão


não é para deixar o amor para lá

nem fazê-lo esperar até sarar

nem noutro amor novamente se afogar até se esquecer

pois amar é um verbo árvore e ave

fênix que pode se reconstituir das próprias cinzas em e para qualquer altura

criador de raízes irrigando um profundo desconhecido deserto de outrem

e que tem bons voos para quem o acompanha levemente intenso e suavemente voraz


o amor não tem tempo mas existe o tempo de amar

que é toda hora

ele não tem muito tempo para queixas nem promessas

o amor é uma prática

e ele sem tempo nem espera 

é reunião e troca até sem tocar com qualquer coisa


amor não foi feito para durar para colar para calar para berrar para possuir para gastar

é cíclico tal qual astro orbital e se move movendo tudo e nada

e da voltas entre nós em sua forma mais crua de amar-se sem venerar a si

o que é amor?

este nobre vagabundo, esta palavra sem desenho...

quem sou eu para falar de amor

senão mais um em sua multidão colorida de mansas flores indomáveis?


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Fagulhas

conexões incausais boiando

entre bolhas de acasos casuais

algo está atomizado sem ser átomo


desde azimute até ao nada

tudo parecido antes

antes do sentindo

antes do evento


corações inflando ocos e ecos

pontes aos lados ilhados dos outros

fronte nossa diante de si e do estampido

do viver o perceber face a face ao percebido


nem tudo está achado 

e nem perdido

tudo está prestes a fazer sentido

no sentimento do pensamento

à beira do tempo

do desconhecido


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Por causa de você

nas noites que te amei constante

fingindo não lembrar de ti

foi quando dei para amar mais que bastante

até esquecer de mim


incauto sem saber que o amor

depois faria comigo tanto e tudo o que fiz

sem tirar nem pôr


altivo amador cruzei a estrada

planalto sem beira em breu

tentando apagar os vestígios

de quando fui feliz ao lado teu


e herdei das horas a fio

inúteis arrebóis de agora

sem você e pelo tempo olvidado


uma solidão solar de sertão cresceu

na cidade, na plantação e até no arado


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Dilema

se junto, sorri e inexiste

se disjunto, sorri e insiste

na cantilena da des-vontade

em quem sente

entre ter nascido

não ter sido

e ser ido

sem parada ou paradeiro

é saudade estrada sem sentido

bicho debaixo da pele

flor insana do clichê das horas

irriga e claudica coração mundano

des-humana senhora

caudilha e bem-aventurada

para amantes de outrora


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Voar até

sem quase querer
vou até de avião 
para te ver
querendo você e eu

quando virá verão
feito quasar de outrora
e a sós após o sol de agora
quem sabe que voo poderemos...

outra vez restarão escuro e futuro 
planando perdidos na tez
ou saciará infinda de vez
a sede do que seremos...
tórridos e serenos 
do que o querer nos fez

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Balada do impossível amor

Para você)
que não pude amar
(mais do que pude
Passo
E você
meu corpo só
demora a deixar

Passo
E você da hora
na rua esguia
ausente está

Passo
E você
doce lembrança insone
insiste despertar

Passo
E você
da rotina a retina
não parece desgarrar

Passo
Senão viro miragem
a te imaginar

Passo
Senão fico paisagem
inútil a te mirar

Passo
senão sou imagem
na estrada a te des-achar

Passo
por que impreciso é passar
Por que é preciso que passe
o percurso de te querer impossível
Senão ficarei invisível
ao raiar do dia onde hei de amar

Senão estarei insensível
aos vindouros passos
aventurados e passageiros
pelos quais amanhecerei amante adorado
errante e derradeiro

Thiago Lobão                      rascunhosdesois.blogspot.com

Poema ao tempo de ano novo

Se você aplaudir o tempo
Ele te aplaudirá
Se você debochar do tempo
Ele te debochará
Se você escutar o tempo
Ele te escutará
Se você ignorar o tempo
Ele te ignorará
Se você sorrir para o tempo
Ele te sorrirá
Se você enganar o tempo
Ele te enganará
Se você navegar com tempo
Ele te navegará
Se você contrariar o tempo
Ele te contrariará
Se você amigar com tempo
Ele te amigará
Se você mal dizer o tempo
Ele te mal dirá
Se você abençoar o tempo
Ele te abençoará
E se você não tiver tempo
Para o tempo que não pára
Ele tempo para você não terá
Só se glorifica com tempo
Quem glória ao tempo dá
E a quem der tempo ao tempo
Voltará ele para cobrar ou pagar

Thiago Lobão                                  rascunhosdesois.blogspot.com

Algo assim

Sem diluir seres num ser                Para Alice
Nem vice-versa
Paisagem em reverso diz:
Viver já é bastante coisa
E não é o bastante
Abismo de tirar fôlego
Superfície de afogar com ar
Lua pendular de vida e marfim
Qual passagem o ego quer vagar?

Em colorido sextante
Amanhecer da estrela flor solar
Das andanças do vislumbrar
Intermitente ou constante
Amor é estar ainda cheio
Quando a maré vazar
Entender em perceber
Se lembrar que desejou
Por qual aventura o seu ser errou?

Thiago Lobão            rascunhosdesois.blogspot.com

Para me salvar

devo esquecer:
a deixa
a queixa
o beijo
o desmantelo
o desenho
a foto
o fato
o afeto

devo esquecer:
o projeto
o teto
a parede
a sede
o sexo
o nexo
o elo
o eco
o oco

devo esquecer:
o embaraço
o tropeço
o começo
a carícia
a casa
a tempestade
a ilha
o passo
o pulso
o medo

devo esquecer:
a vela
o barco
o marco
o abraço
o achado
o descaso
a rua
o laço
o estrago
a tristeza

devo esquecer:
o rasgo
a ruga
a paisagem
a aventura
o tormento
o veneno
a artéria
o cruzamento
a risada
a entrada
o jantar
o passeio
a praia
a pegada
o presente
a cegueira
a esteira

devo esquecer:
a dívida
a vida
a vinda
a ida
a palavra
o gesto
a flor
o álbum
o recado
o endereço
o cheiro
o primeiro
a noitada

devo esquecer
devo esquecer
devo esquecer
de novo um querer
para me salvar
para não sofrer
senão me afogo
senão me queimo
se não deixar queimar
se teimar
em não me afagar
vou me perder
devo esquecer
devo esquecer
devo esquecer
para de novo amar
para de novo me amar
para de novo me salvar

Thiago Lobão               rascunhosdesois.blogspot.com

Feliz era nova

o derradeiro crepúsculo da já ida era

desmonta a luz nos confins da baía

e explode do casulo em espera

breu tenaz no firmamento e borboleta sideral


quando você mirar Júpiter navegando vizinho a Saturno

com seus olhos - dois sóis azuis - taciturnos

do amor quimera

quem sabe não esteja se enxergando

em outra errante esfera


em outro modo de deixar ser o que já era

e de despertar em anoitecido coração

um sentimento de adorar que entre mim e você

entre praias, planetas e o querer

reverbera

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Recado (Música: Ian Lasserre / Letra: Thiago Lobão)

fale lá
o que tiver de ser aqui
não deixe para se perder depois
agora é que virá

olhe bem
o bom é navegar em nós
um nó mais que aberto, atroz
jangada vai virar

no batente
em jogar de braços
abraços dados no mar

se aproando
em sentimento de rocha e esperança
farol no coração põe-se a dançar

tarde
que é filha de dia com lua de meia noite
com sol no meio de um tempo
que é manso e açoite

deixar de ser
é beira do que será

Para ouvir: https://www.youtube.com/watch?v=TA2DVVY7x_w

Tanta tonta teoria

toque aqui!
sabe o que é isso?
é saudade...
é só no joelho
ou no corpo inteiro?

na derme 
sensível erupção trans-celular
no cerne 
invisível sensação a constelar

da para tatear ente ausente
ou em presente ausência matar?

cromossomo ancestral
somos
em molecular caos
somatizando até esquecimento
e o que apalpar amamos

sabe o que é isso?
é saudade...
é só no relevo da pele
ou funda memória da eterna alteridade?

é enlevo da superfície em arrepio?
ou desvelo de genealógico ser em rodopio?

Thiago Lobão             rascunhosdesois.blogspot.com

Lá e cá

da ávida cavidade de século

do poço perplexo ou útero

irrompe-se vida em vocação de luz

e dentro da tez terrosa aflora

à flor da Terra a flora do agora


planeta pendular desponta 

em errante eclíptica elíptica

que desaponta beleza humana 

em seu não lugar de alteza e já tonta


diminuto mundo velho

em minuto de areia cadente

em minúcia de autor ausente presente

já outro imenso ovo total em voo


azulado bólido falido

estrada ao nada e estrado sideral

grilhão e plataforma disforme

para algum outro desconhecido

ponto de apoio carnal


Thiago Lobão      rascunhosdesois.blogspot.com

"Quem é mesmo não diz"

como disse amiga minha            Para Ana L.
amigo é quem com você fala
de trás pra frente e sente

não é quem se cala
nem quem assisti tal qual TV
não é quem te segue
nem quem suga VC
não é quem só te brinda
nem quem brinca de dar nó
quem é quem nesse quiprocó?

como dizia o poeta, atual ainda
"amigo a gente não faz,
reconhece"
quando se goza de saúde
ou quando coração adoece
quando é dia de aniversário
ou quando se vai no ataúde
quando sem receio ele se despe
ou se contigo sem calendário

pode ser e não ser amigo?
eis a questão!
de conhecido a reconhecido
próximo e distante
fogo e pavio
amigo da gente só fica desaparecido
se for sincero pra abandonar o navio

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Moradoras

na minha casa
tudo que é caixa vive aberta
para caber luz e nova revoada
ou antigo amor de praia deserta
para fazer respirar o incabível
e deixar sair o que não cabe

na minha casa
tampa sua função não sabe
de encobrir sentir incontível
e sem encaixe ganha sentido de asa
para desfazer o que é impossível
ou levitar quando te chamo namorada

em minha casa
uma caixa abre outra
e a casa caminha
entre suas várias moradas
e as moradoras caixinhas
na minha caixa tem
incontáveis casinhas

Thiago Lobão   rascunhosdesois.blogspot.com

Ápice e bis

se lápis apontar
aquarela desaparece
grafite repousado não cresce
e em não se pontuando
quem desenharia cor esquece

entra por um
e sai por outro e beija 
contador se quiser
que seja e conte outra
história de apontador

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Com tato

a gente não toca o tempo
que toca barco indiferente
diferente de nosso toque

atocaia ente na toca
oco tocando ao fundo seu eco
e o intocável

enquanto der tempo de ser óca
até quando tempo se der por certo
de destocar o favo provável inefável

estaria este nos prestando favor
ou melhor não tê-lo sabido?
por qual ser trazido se com tempo não se for?

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"De Caymmi e João Gilberto"

quem salva Salvador?
suas ladeiras ao céu desiguais
lendas sacras carnais
seus infindos povos de dentro e de fora
Roma negra matriarca da prole
Salvador salvadora
da Alegria e Tristeza sen hora

quem salva Salvador?
da selva e da des-salvação
é primaz do Brasil no pé e o leva no coração
Salvador te salva ou não?
salva vidas da cor
aborígenes e Áfricas entre dois faróis d´além-mar
usinas de línguas e afetos que afetam 

afago e indignação de atos e fatos
o abraço profundo salgado de sua baía
é um na ida e outro na chegada
o mesmo na intenção
nunca mais esqueço do passeio em sua jangada
eletrônica e canibal
doce arredia mansa todo dia

de perto não é normal
pele sua que sua e soa dendê
de que lado Salvador te vê?
terra do ver para crer
e do crer para ver
de longe saudade imensa capital
ano novo e lua nova do São Salvador

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Gêne-se

gestar um gesto na caixa

do córtex ao coçar

é quem nele mora ou é corpo

que está vivo ou morto?


do gin ao gen no ato

gastar a jato um jeito de gostar

de outrem que enfim goza

ou de narciso a se jactar?


gametas juram janelas em prosa

gosto oco de jorrar zigoto

pelve da gema e do ovo num polvo

que geme gíria na gama de renovar


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Cisma do sonho

Cisma do sonho

Noite de maré cheia quando acordei e você não estava ao meu lado. A chuva, ora fina, ora grossa, respingava no bananal abaixando as palhas e criando riachos na areia, misturando água doce com salgada num banho de líquido insípido. Despertado pelo clarão das velas dentre as sombras feitas pelas cortinas esvoçantes do nosso quarto, tive a intuição de que você estaria vendo a tempestade rodear a ilha da varanda, e de que o aguaçeiro permaneceria ao longo da madrugada. Desci ainda sonado as escadas e escorreguei no limo da Passagem das Borboletas, enquanto um relâmpago clareou o fundo anoitecido da baía e retumbou na noite que há poucas horas fora um lindo dia; no qual passeamos como dois cometas, resvalando um no outro, entrelaçados feito um corpo só, libertos e rindo daqueles por quais passávamos e que se espantavam com a nudez nunca vista em outra veraneio. Avistei seu cabelo preso e belo e caído por sobre suas costas - meu cais seguro - encoberta por um pano colorido como você gostava da maioria de seus tecidos. Como a proa de um barco entre o parapeito coberto de flores e o preto infinito do tumultuoso e monotônico escuro sobre o mar, parada e com a face oculta para mim, estava você, uma estrela brilhante no meio da revolução incessante das nuvens se precipitando. Virou-se você para mim e sorrindo sem que eu precisasse me anunciar, decretou:
-Meu dengo, venha ver a noite comigo e me abraçe.
-Se ficarmos vamos nos molhar mais. Te busquei na cama e você não estava nem lá e nem na sala...
Abracei-a como se fosse toque de encontro e despedida sem saber motivo, contemplando a noite e seu perfume sem perfume que eu amava, com a  profundidade da superfície dos poros, e me aqueci em sua nuca. Disse ela:
-Sonhei que no passeio de barco amanhã, uma onda nos virava na boca da barra e que ficávamos boiando a deriva entre a ponta do manguezal e o farol das rocas. Você acha que ali é ruim para naufragar?
-Lá é como te amar aqui, meu dengo, perigo e salvação, ora perco o fôlego, ora dá pé... Quem sabe? Se a rainha nos guiar e não sermos levados pela corrente de retorno, chegamos nas pedras da enseada e nos fixamos por lá...
E ela completou:
-E depois voltamos andando, quase secos, quase molhados, na maré baixa, com as pernas bambas e arranhadas de tanto nos querer de amor...
-É. Vamos voltar para cama?
-Não quero agora...
E completou
-No sonho, nos perdíamos entre as ondas lá na saída da barra e só nos achávamos na Enseada do Urubu no dia da festa do vilarejo. E que só nos saciávamos nas pedras com nossa mansa fúria apaixonada depois do desespero do afogamento se fóssemos obedientes à deusa e nos amássemos serenos a partir de agora, e que esta prenda seria a retribuição dela aos presentes que lhe oferecemos hoje. Iemanjá disse que se ficássemos na borda do amor, no afã incessante e febril do sentimento de sermos sempre dois, iríamos nos perder no profundo mar para sempre.


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Sambô

aquele samba que eu fiz
não quero que desvire samba
pra que contrariar bamba
você vai ver...
gente revirando quadril e coração
ente suando até fé e dendê
em qual pé nasceu o samba...
carece calçar se for pra sambar?

não é pra que vire disfarce de pó
aquele samba que eu fiz
porque fazer de ouro muamba
se tudo não vale um só dó
sem contrariar face outra e raiz
e já a um triz da gravação
não é pra desandar noutra coisa...
que não seja no samba intenção!

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Quase carnaval talvez

suspenderam nosso carnaval...

estrangeiro susto cardio-carnal

vide certo dito surto em euforia

há de seguirmos com a razão...

ou em manobrada febril alegoria

que cinzas pode já ser na quarta-feira a raiar?


será que nunca mais será...

orbitando eu atrás de seu sorriso

envolta da barra da luz do farol

ou na praça até o coração do poeta...

para te achar e morrer de amor em você ou

chorar por quem não vai pois já viveu?


respingo do transpassar de nós na imaginação

um contrapé no corpo nosso e na multidão

conduzidos de onda em ondina pé ante pé

vendo padê e o Ilê descer entre nós

de toque em toca sem tocar e sem retorque

em batuque de sinal remoto afro afoxé


sabe-se lá por qual sentimento se foliões ainda

figurando numa avenida ou a sós no pensamento

para lá das chuvas mil de Abril em viagem

ou se em efusiva folia de paisagem infinda

dum bloco a fazer de conta a felicidade

que passou a luzir em nossa vida na estiagem


divertidos do cóccix em vertigem de córtex

como anônimos faceiros transeuntes entrelaçados

a caminho dos caminhos de nossas bocas ou se

perdidos do amor modesto outra vez na foz da tez

já achados sem voz na derradeira anoitecida avenida

de algum pós quase moderno carnaval talvez


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Mesmo nunca

vento alfaiate de horizontes
costura costumeira maré
até alisa com alísios elísios
ou furiosas bonanças azuis
ao vestir com curtume costumes
de nimbos ou cavadas anis

virando vácuo e vaso na sala
em viração de esperança
dobra da hora na esquina do encontro
e a borda do bordado destinatário
se perde entregue e anônima irriga
artérias trepadeiras de ares a chãos
nossas histórias em sentimento

insufla coração que reúne sopro por você
paixão nunca a mesma talento
nem para mim nem para você
nem para o grego Heitor
amar por que sim amor
nunca sempre um outro rubor
invisível e distraído calor

a galope avança boreal corrente
minuano no outono outrora e por hora
enchente de gente ao poente
feito você descompassada amada
subindo as escadas enquanto
ressoava em meio ao caos
de ares e axés um estranho ano
que amei

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Alegre susto

arrepio implodido na pele é                     Para Clara
pé do porvirá e do já ido sabido
sílaba do resistirá que fala ou balbucia

é o envelhecimento
de tempos em tempo
outra vez
percorrendo e escorrendo do poro ao pêlo
escavado adornado em raiz na tez
passageiro e temporão já tornado
outra estação
enquanto a Terra insiste em saga solar
sideral ser quase atemporal como quasar

diante do espelho permanece
não o que envelhece mas o rejuvenescer
eu mesmo outro noutro lugar mesmo
o gavião a bactéria e a estrela também?
diante de si ou do se
o vívido deixado pro futuro ou pra trás

é uma coroa na maré baixa
corroendo a luz e deixando aguar a vida
ao invés de nublar o céu e o re-estar
do cor-pó
da cor só dum arco na íris
é floresta de corais
é pétala no deserto da mesmice
a alegria de nunca ser a esmo o mesmo
sendo a cada senda
segredo revelado

Thiago Lobão                   rascunhosdesois.blogspot.com

A vez da vez

de vez em quando

explode um silêncio imenso no pensamento

a estepe infinda e sem borda 

ou continentes de si

se evaporam pelos poros


alcançam a retina as partículas de partículas

ao olhar de dentro e de fora

semeiam horizontes de anos-luz


e de vez em quando

no centro de um tufão é imensa a calmaria 

e na alma do pensamento


o que será que se deu

o que será que se dará?

na dúvida ávida da vida

melhor se dar a se vender


pague para ver só para você


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Repetere ou dos ecos dos ãos

o mal da repetição

é dizer sempre não quando é sim

ou é dizer sempre sim quando é não


o bem da repetição

é que ela é preâmbulo

de qualquer quase-perfeição


o bom da repetição

é que ela lembra de tentar o novo de novo

a cada supetão do ovo e da intenção


o mau da repetição

é que ela vicia liberdade em alçapão

e o mesmo se propaga em suposta invenção


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Transmitir de ecos

o que era tão brilhante

já se desabrilhantou

pois farol Sol

só apaga e apega Vênus

de dia para nós

e lá no Sol temporal

é eterna a noite e Vênus brilha sempre


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Um teatral mundial

faça até a fama...

será que é boa ou não será?

quem dera lerá a beira da leira ao se plantar

mas não deite nessa cama nem caia nessa maca

de aceitar e deixar sem queixar

de graça o papel em prol que (eles)

querem te vestir pois

na grande cena do mundo 

quando o olhar de primeira vez

a cada vez se esvai 

um desvario arrepia na tez

e é acertada altiva hora de ser quem se foi

a cada gota e no raro agora de aparecer


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Canção de sonhamanhecer você...

por que será

que sempre dou de sonhar com você?

é o meu querer...

um não junto da lembrança

com quê de esperança?

que será que sonho ao tempo você...

será eu mesmo

ou quimera de crer pra agradecer

o prazer?


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Vento de interior

tentação

tentáculo

temporão

oráculo

sem hora será serão

da senhora Dinorá

e quando amanhecer seus confins

vou arribar meu coração lá

meus quiças seus enfins


inspiração

temporal

vértebra

vernáculos

vendaval


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Bobo bolero

raso alto ventando 

achado no andor da árvore

um salto suposto precioso do cume

e daí desabou a guia a rua a águia

para oposto que parecia gostar a derivar nossa via

sob ensolarada mangueira a nuvem errante poesia

daquela razão que ninguém encontra por que é


águas terçãs ora nos apagavam indecentes inocentes

ora evaporavam e nos deixavam arder em febres pagãs

melhor ainda é negar sincero

do que dizer sim e bailar bobo bolero

será que é perfume?

será que é estrume?

o ciúme é dois gumes do amor


Thiago Lobão           rascunhosdesois.blogspot.com

O fogo que precisamos apagar

Brasil de brasis

em brasas arde verde e anil

e em cada braseiro tem um ser brasileiro

uns se responsabilizam e outros não

estes que fogem a luta e governam a nação

salvem os impávidos heróis e heroínas

que debelam chamas que exterminam

animais e povos xamãs

salvem a onça pintada o jacaré e a garça

pra preservar a graça de um país

onde se plantando tudo dá

salvem as nações indígenas 

e a fauna e a flora

da ganância e arrogância de pseudo-humanismos

salvem a floresta desse ser nefasto humano

e que no rastro do fogo prevaleça e vença a vida

a beleza e a transpiração da natureza


Thiago Lobão        rascunhosdesois.blogspot.com 

Inter-esse é para quem tem

organizar o ego
erguer do ser ao cons-ciente-zar
e deixar-se zanzar
do sim ao não ao négo

organizar o orgão
errar na estrada a senda
e deixar ondular as vagas
dum novo jeito de sendo

organizar o eco
do ponto cego do des-apégo
cego até para quem
diz do alto ver des-vinco-lá

organizar o oikos
e o seu plural-singular ato habitar
aceitar outra casca no retorno ao mesmo da casa
e a face de outrem nunca ousar espelhar nem trans-figurar

organizar o oco 
de todo tudo da alma que se tem um pouco
pra validar outros ovos lindos loucos
que no caminho podem ovular conosco

moldar própria asa sem outra estolar
queimar brasa do se gostar sem des-inter-essar
amar ver voo de outro e junto gozar
e se assim não o for então agradecer e deixar ir
sem lamentar
pois está tudo no lugar que tem que estar

Thiago Lobão   rascunhosdesois.blogspot.com

Deixa e não deixa

deixa fogo queimar
que fogo cura
deixa fogo queimar
que fogo dura
deixa fogo queimar
que fogo sutura
deixa fogo queimar
que fogo mistura
deixa fogo queimar
que fogo rasura
deixa fogo queimar
que fogo costura
deixa fogo queimar
que fogo estrutura
deixa fogo queimar
que fogo bem aventura
mas se fogo matar
não deixe o fogo
nem destruir nem alastrar

Thiago Lobão    rascunhosdesois.blogspot.com

Viajantes

vértebras de nuvens
vórtices da manhã leve veloz
num vértice inexistente
do raio celeste
há quem saia para capinar
há quem a poesia se preste
e quando quase lagarta
borboleta for
é como se tu estiveste
flor 
a espreita de me achar
dentre pegadas que não caminhamos
brotam percursos de nos florescer

Thiago Lobão  rascunhosdesois.blogspot.com


Fui te buscar

de noite ouvi marulho do mar
fui até beira pra te dengar
lua dourou você na maré
adoramos com seixos até
sexos salgar
costas atlânticas em pedra fria
cisma de corpo, enlaço e guia
festa na areia e dança no pé
gostar temporão na maresia
pedimos a mãe paz e proteção
pra que fosse amar
abrigo e constelação
indo com ventos sem desbotar
até onde luzir eterno costurar
das vias e das vidas do devir

Thiago Lobão   rascunhosdesois.blogspot.com

Paratodas

aparar sombras
fazer luz operar dobras
até bem vindoura obra
e soçobrar as sobras
se sobrarem
no sobrado e de bom grado

apoiar-se com ombros entre outros 
até possíveis e impossíveis arestas
condições de quaisquer im(possibilidades)
e construir moradas em escombros
até lugar e tempo que natureza autorizar

ver beleza no fim e na fonte
na flor e no espinho
no estrangeiro e no ninho
no passageiro e no caminhar

Thiago Lobão   rascunhosdesois.blogspot.com

Pensado

pensamento:
acolhimento e estranhamento
incríveis
infindos
e até inenarráveis movimentos
entre algo e nada
que chamamos pensamento
para a vida 
fora e dentro do pensamento nos dada

o infinitamente próximo
e o infinitamente afastado
um pensamento nem tão perto
e nem tão longe de nós
um pensamento
face a face
entre nós

não estamos nem próximos
nem distantes do nós
ainda assim vivemos
prestes ao contentamento
de contemplação vir a ser ação 
ou razão de um ser entre seres que pensam
o que é e que podem ser
pensamento

Thiago Lobão     rascunhosdesois.blogspot.com

E daí?

sobre arte natural
não é só sombrear-te de luz
e só magistral pois carnal
sobrearte é curva depois do pois
viva seu carnaval
um semblante do nada
em real sobre natural
eterno romance entre 
coisa e representação 
que não presentifica coisa
com coisa surreal
as infindas nuas nuances
do ente e do que escapou
da reificação
(ou o que você acha)
o contraditório na definição
uns dizem que sim
outros que não
e daí que uns digam sim e não?
e daí que sejam e que não sejam?

Thiago Lobão   rascunhosdesois.blogspot.com

Quem?

se eu não achar
a
poesia
se acha
no olhar de quem sente
até na praça sentada
e quem procurar
achar
que sabe o que
poesia é
ou não vai encontrar
ou verá nenhum
ou único ponto de olhar

Thiago Lobão   rascunhosdesois.blogspot.com

Lá não existe

são estrelas
azulam trigais
exalam figos na sala
suas gamas
luz que condiz e conduz
tangenciando margem impossível
siderais e festivas
ogivas no baile de solidões
são totais por entre entes e nadas
invisíveis escamas
em formas de gemas
que não falam notícias
nem deste nem de outro lado
dão sentido a um êxtase sentindo
do que não sentido é
e se ocultam do que oculta
em todo vislumbrar de bre-eus
estrela turva e se transforma em vida
na terra

Thiago Lobão    rascunhosdesois.blogspot.com

Como se nunca...

como se nunca morado
deixou de estar ao lado
sem paradeiro e parada
foi o amor

e como se nunca amado
sentiu outra vez
amor de outrora noutra tez
repousado
sem quando sem hora

como se nunca chegado
partiu junto a borboleta
num luar que prateava nublado
o amor desfez sua meada
caiu no mundo de cidade grande
depois do verão e da invernada

vai saber o que nos guiou
vai saber o que nos findou
quem sabe razão de amor?

e se partiu de mim
como se nunca partido
há de reservar o tempo
um sentido
e reviver sorriso e coração
em outro doce amor temporão

Thiago Lobão      rascunhosdesois.blogspot.com